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REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 REDVET Rev. electrón. vet. http://www.veterinaria.org/revistas/redvet -http://revista.veterinaria.org Vol. 12, Nº 1 Enero/2011– http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111.html Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães (evaluation of proteic ingredient used in dog foods) Camila Campos Gondim Martins Coelho1; Erika Von Zeidler Stasieniuk2; Walter Motta Ferreira3 1 Mestranda em Nutrição e Alimentação Animal, Escola de Veterinária, Departamento de Zootecnia, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. 2 Doutoranda em Nutrição e Alimentação Animal, Escola de Veterinária, Departamento de Zootecnia, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. 3 Professor Adjunto, Escola de Veterinária, Departamento de Zootecnia, Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil. Contato: camilazootecnia@gmail.com Resumo Os cães são comumente classificados como onívoros, onde a inclusão dos alimentos protéicos gira em torno de 30% nas rações comerciais. A utilização dos subprodutos de origem animal e vegetal é utilizada frenquentemente na alimentação dos cães, no entanto, pouco se sabe a respeito de sua qualidade. O objetivo da revisão é, por meio dos trabalhos publicados, avaliar os alimentos protéicos utilizados na formulação das rações comerciais dos cães. Observou-se grande variação entre os trabalhos nacionais e internacionais quanto à digestibilidade aparente da proteína, fato justificado pela variação na qualidade dos ingredientes utilizados nos alimentos teste. Subprodutos advindos da soja possuíram valores superiores na digestibilidade dos aminoácidos na maioria dos trabalhos quando comparados aos subprodutos de origem animal. Alimentos protéicos que possuem alta concentração de nitrogênio nãoprotéico estão correlacionados negativamente com a energia metabolizável da ração, dificultando a utilização das equações de predição. Diante disto, faz-se cada vez mais necessários estudos sobre a qualidade dos ingredientes disponíveis no mercado e sua contribuição na manutenção da saúde dos cães. Palavras-chave: digestibilidade aminoácidos | animais Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf de companhia | 1 REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 Abstract Dogs are commonly classified as omnivores, where the inclusion of food protein is around 30% in commercial feed. The use of animal by-products and plant often is used for feeding dogs, however, little is known about their quality. The objective of the review is through the published work, to assess the food protein used in the formulation of commercial diets for dogs. There was great variation between the national and international work on the digestibility of protein, a fact justified by the variation in quality of ingredients used in food testing. Products derived from soybean had a higher price than the digestibility of amino acids in most of the work when compared to products of animal origin. Protein foods that have high concentrations of non-protein nitrogen are negatively correlated with the metabolizable energy of feed, making the use of prediction equations. Considering this, it is increasingly necessary studies on the quality of ingredients available in the market and their contribution in maintaining the health of dogs. Key words: aminoacids, digestibility, pet 1. Introdução Os primeiros canídeos datam de mais de 50 milhões de ano. O do gênero Canis só apareceu ao final da era terciária e sua domesticação teve início no oriente a partir do lobo (Canis lupus), devido à necessidade do homem em utilizá-lo como aliado em suas caçadas, assim, os cães primitivos eram usados como cães de caça (Royal Canin, 2001). Ao longo da domesticação dos cães e com o surgimento de uma relação afetiva entre os cães e seres humanos, estes passaram a se preocupar com a saúde e longevidade desses animais. O cão doméstico (Canis familiaris) é freqüentemente considerado um onívoro (Church, 1991) e a partir dessa classificação e das características digestivas dos cães determinou-se, em médias, que sua necessidade protéica era em torno de 18% de proteína bruta (AAFCO, 2005). O hábito onívoro dos cães é especulativamente relacionado com o ato de comer frutas e pode ter sido orientado pela manutenção para o gosto adocicado (Thorne, 1998). Nas rações para cães, os ingredientes protéicos contribuem substancialmente para o preço final da ração. Isso ocorre devido à sua alta inclusão que gira em torno de 30%. Paralelamente, surgiram no mercado alimentício subprodutos protéicos oriundos da industrialização das carnes de aves, bovino, suíno e ovino. O uso destes subprodutos, juntamente com Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 2 REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 as fontes protéicas de origem vegetal, vêem sendo estudados com o intuito de investigar seus valores nutritivos. Neste contexto, a revisão visa abordar os principais pontos quanto à qualidade desses subprodutos e sua influência sobre fatores indispensáveis a boa nutrição dos cães. 2. Referencial Teórico 2.1. Proteínas As proteínas estão entre as macromoléculas biológicas mais abundantes, de extrema versatilidade em suas funções. E através dessas funções são classificadas. Suas funções são basicamente estruturais, mas podem ser utilizadas como fonte de energia em dietas desbalanceadas. São definidas como compostos nitrogenados complexos, de grande peso molecular e caracteristicamente como grandes moléculas (Nunes, 1992). A proteína bruta de um alimento pode ser estimada quimicamente a partir do seu conteúdo em nitrogênio, partindo-se do princípio que toda proteína tem 16% de nitrogênio e que todo nitrogênio está na forma protéica (Silva & Queiroz, 2002). As proteínas possuem como unidade básica o aminoácido que é formado através da hidrólise ácida ou básica. Cada proteína produz uma mistura de aminoácidos com diferentes proporções entre eles, conferindo uma seqüência única e fundamental na determinação da sua estrutura tridimensional (Lehninger; et al. 2000). Segundo Nunes (1992), na hidrólise, as proteínas fornecem entre 22 e 24 aminoácidos, destes apenas 10 a 12 podem ser sintetizados pelo organismo animal e os demais são obtidos na dieta. O aminoácido é um ácido orgânico nitrogenado ligado por si através das ligações peptídicas que quando formadas liberam uma molécula de água, sendo ainda, classificado em não essenciais, essenciais e limitantes. O aminoácido não essencial é aquele produzido pelo organismo em quantidade e velocidade suficiente para atender suas necessidades. É também importante fonte de carbono e nitrogênio para a síntese de outros aminoácidos e de outras substâncias importante como purinas, pirimidinas, grupo heme, vários hormônios e neurotransmissores. Já os essenciais, são os que não podem ser sintetizados de forma alguma ou em quantidade adequada ou em velocidade apropriada às suas necessidades fisiológicas e de produção. É importante que os aminoácidos essenciais estejam presentes na dieta em correta quantidade, pois a limitação de um deles prejudicará a utilização dos demais, uma vez que ocorre uma correlação das proporções e quantidades dos aminoácidos para a síntese das várias proteínas que o organismo irá formar. A deficiência de Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 3 REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 um aminoácido essencial força a desanimação dos outros na proporção da limitação, impedindo a síntese completa das proteínas necessárias. O aminoácido limitante é aquele em que havendo os aminoácidos essenciais em quantidade adequada na dieta, com exceção de um deles, a síntese protéica ocorre até o nível daquele em exceção e o excesso será deaminado e oxidado para o fornecimento de energia. Proteínas que possuem em abundância aminoácidos essenciais são consideradas de alta qualidade. Quanto mais o perfil de aminoácidos da proteína se aproximar do perfil exigido pelo animal, mais eficientemente tais proteínas devem ser utilizadas. Assim, temos o conceito de Proteína Ideal, que seria uma proporção ótima entre os aminoácidos da dieta. Utilizando a lisina como padrão, foram estabelecidos os níveis ideais dos demais aminoácidos, de modo que sempre se deverá manter a mesma relação entre eles (Mascarenhas, 2004). Além do perfil e proporções entre os aminoácidos, outro fator utilizado na avaliação da qualidade da proteína é a sua disponibilidade. Para isso, o valor biológico indica a porcentagem da proteína absorvida que realmente é utilizada pelo organismo para construção de tecidos e demais funções orgânicas (Nunes, 1992). 2.2. Exigências protéicas As exigências protéicas são determinadas em função do atendimento das necessidades metabólicas em aminoácidos e nitrogênio. Quanto mais estreita for a relação entre o perfil de aminoácidos do alimento e o perfil corporal do animal, maior será o valor biológico do alimento e menor será a porcentagem de proteína necessária na ração (Ost et al., 2007). Em longo prazo as proteínas corpóreas podem ser mantidas através da concentração sérica de aminoácidos e da massa magra. O balanço de nitrogênio – diferença entre o nitrogênio consumido e o excretado – e o ganho de peso têm se mostrado os mais usuais para determinação da exigência de proteína e de aminoácidos em cães, no entanto, diversas variáveis relacionadas ao sistema imune também vem sendo utilizadas (NRC, 2006). Não há evidência de necessidade dietética de proteínas per se, apenas dos aminoácidos constituintes (Pond et al., 1995). As necessidades protéicas variam em função da faixa etária do cão e do gato, estresse, crescimento, gestação, lactação e estado de saúde (Seixas et al., 2003). Por isso, a formulação de rações baseando-se em aminoácidos digestíveis tem sido utilizada pela necessidade de se otimizar o uso de matérias-primas de alto custo (Sakomura & Rostagno, 2007). Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 4 REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 2.3. Avaliação dos alimentos protéicos de origem animal e vegetal Para se avaliar adequadamente um ingrediente protéico são necessários, segundo Pond et al (1995) a análise de parâmetros como digestibilidade, perfil de aminoácidos e sua disponibilidade. Cowell et al. (2000) e Carciofi et al. (2006) ainda citaram a relação proteínas:cinzas como fator indispensável, ou seja, alguns derivados animais podem conter excesso de matéria mineral, que, por conseguinte podem: diminuir a digestibilidade do alimento; ressecar as fezes e elevar o conteúdo de cálcio, fósforo e magnésio, dificultando a formulação de dietas equilibradas. Outro fator é a palatabilidade, através dela é possível o controle do consumo voluntário do animal, uma vez que confere ao alimento aspectos relacionado à textura e ao cheiro, influenciando na escolha do animal. 2.3.1. Palatabilidade Palatabilidade refere-se às propriedades físicas e químicas da dieta que estão associadas com a promoção ou supressão do comportamento alimentar durante o período pré-absortivo e imediatamente após o período pós-absortivo, isto é, uma resposta não condicionada, antes que um efeito metabólico ou qualquer condicionamento na ingestão de alimento ocorra (McArthur et al., 1993). A avaliação da palatabilidade ocorre pela observação dos animais, em que eles selecionam, evitam, ou não têm preferência quando é fornecida uma escolha entre duas dietas (NRC, 2006). De acordo com Dust et al. (2005) os alimentos protéicos influenciam na palatabilidade da ração, por isso, avaliaram o efeito da inclusão de 3% de células vermelhas do sangue sobre o consumo voluntário de ração em cães adultos. As células vermelhas do sangue é o produto resultante da coagulação e centrifugação para remoção do plasma sangüíneo e posterior secagem das hemácias coaguladas e moídas finamente (Bellaver, 2001). O teste de palatabilidade é baseado no conceito de escolha, ou seja, a primeira escolha feita pelo animal. Foram fornecidos 500 gramas de ração para os animais em vasilhames separados. Como resultado, os animais consumiram, em média, 72% da ração controle (sem células vermelhas do sangue) e 28% da ração com 3% de inclusão das células vermelhas do sangue. Segundo os autores, conclui-se que as células vermelhas do sangue conferiram a ração sabor não preferido pelo animal, ou seja, causou diminuição na palatabilidade do alimento. 2.3.2. Digestibilidade aparente das fontes protéicas Segundo Sakomura & Rostagno (2007) deve-se entender como digestibilidade aparente a diferença entre a quantidade de proteína ou aminoácidos absorvido e a quantidade excretada nas fezes. Sendo a digestibilidade um dos parâmetros da avaliação da qualidade do alimento, Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 5 REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 pesquisadores brasileiros realizaram ensaios testando diferentes fontes proteícas (Kawauchi et al., 2008; Carciofi et al., 2007; Teshima et al., 2007; Carciofi et al., 2006; Cavalari et al., 2006). Os resultados desses trabalhos estão descritos na tabela 1. Anterior há três anos nenhum trabalho nacional havia sido publicado. Por essa razão, os dados nacionais foram comparados aos dados internacionais, verificando grande variação entre os resultados. Os produtos derivados da soja têm sido utilizados há muitos anos pela indústria de alimentos para cães e gatos. O farelo de soja possui inúmeros fatores antinutricionais, muitos dos quais são termolábeis, como os inibidores de tripsina e quimiotripsina. O subprocessamento da soja mantém estes fatores ativos, prejudicando a obtenção de bons resultados com o alimento (Butolo, 2000). Desta forma os baixos valores da digestibilidade da proteína bruta para o farelo de soja encontrado nos estudos pode ser decorrente do seu mau processamento. A diferença de resultados observada para as farinhas de subprodutos de origem animal pode ser explicada pelas variações na composição e no processamento dos ingredientes. A farinha de carne e ossos pode apresentar diferentes proporções de carne, ossos, couro e pêlos, enquanto a de vísceras de frango pode apresentar diferentes proporções de cabeça, pescoço, pés, dorso, intestinos e até a inclusão indevida de penas. O processamento (pressão e temperatura) das farinhas animais na graxaria, também pode comprometer a qualidade do produto, seja carbonizando matéria orgânica, diminuindo a digestibilidade total, seja tornando aminoácidos específicos indisponíveis (Carciofi et al., 2006). Essas variações têm reflexo direto na qualidade protéica destes ingredientes, podendo ocasionar grandes diferenças entre batidas e principalmente entre fornecedores destes subprodutos (Parsons et al.,1997; Shirley & Parsons, 2000; Johnson et al., 1998). Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 6 Tabela 1. Coeficientes de digestibilidade aparente da PB de dietas extrusadas para cães, contendo diferentes fontes de proteína, em diversos estudos. Fontes protéicas Farelo de Farelo de Farelo de Farinha de Farinha de Soja Extrato Farinha soja glúten de glúten de carne e osso vísceras de micronizada de de milho 60 milho 21 frango levedura carne Trabalhos nacionais Kawauchi et al., 68,84 2008 Carciofi et al., 2007 86,0 85,1 86,8 Teshima et al., 2007 72,4 Carciofi et al., 2006 86,31 88,13 85,88 84,84 Cavalari et al., 2006 74,7 Trabalhos internacionais Yamka et al., 2003a 81,0 a 86,6 Yamka et al., 2003b 64,3 a 68,6 Clapper et al., 2001 83,9 76,9 Jonson et al., 1998 79,7 a 85,2 80,1 a 82,3 Murray et al., 1997 88,3 88,2 89,5 89,9 Zuo et al., 1996 80,3 a 84,6 77,2 Case & Czarnecki74,2 65,9 Maulden, 1990 Neirink et al., 1991 76,33 Diferença entre 22,01 13,93 8,5 23,6 15,2 extremos Adaptado: Carciofi et al. (2006). Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 7 Avaliando o efeito do processamento sob as fontes protéicas, Cavalari et al. (2006) analisaram o efeito da extrusão na digestibilidade de alguns ingredientes utilizados na alimentação de cães. Para a soja extrusada os autores inferiram que a utilização de técnicas de processamento adequadas permite elevar o nível de inclusão da soja nas dietas de cães. No caso dos alimentos de origem animal (farinha de carne, farinha de carne extrusada, farinha de vísceras, farinha de vísceras extrusada) ocorreu melhora nos coeficientes de digestibilidade aparente da proteína (tabela 2). Os principais efeitos positivos da extrusão sobre a digestibilidade dos alimentos estariam relacionados à desnaturação de enzimas, à destruição de fatores tóxicos e à diminuição da contaminação bacteriana do produto final (Egaña et al., 1991) Tabela 2. Valores dos coeficientes de digestibilidade aparente da energia bruta (EB), da matéria seca (MS) e da proteína (PB) utilizados em rações para cães adultos. Coeficientes de digestibilidade aparente (%) EB MS PB Farinha de carne 73,3+1,8 68,4+2,4 74,7+2,2 Farinha de carne 80,7+4,2 87,8+4,1 82,3+1,2 extrusada 86,7+9,2 88,0+4,8 Farinha de 87,6+5,6 vísceras 88,1+4,1 88,9+2,5 Farinha de 91,2+2,9 vísceras extrusada Adaptado: Cavalari et al. (2006). Durante o processo de extrusão, os aminoácidos podem sofrer alterações substanciais quando submetido ao tratamento térmico. Essa preocupação se deve a indisponibilização da lisina, primeiro aminoácido limitante para cães, através das reações de Maillard. A reação de Maillard é uma reação caracterizada pela junção do grupo carbonila dos açúcares redutores com o grupo amino das proteínas, de peptídios ou de aminoácidos (Lehninger, et al 2000). Segundo Van Soest (1994), parte do nitrogênio estaria na forma não utilizável no trato gastrintestinal dos animais, atribuído à redução da taxa de hidrólise protéica, impedindo o acesso das proteases. Portanto, o controle do processamento dos alimentos protéicos de origem animal ou vegetal torne-se primordial para a manutenção da qualidade. 2.3.3. Aminoácidos digestíveis A metodologia sugerida tanto pelo NRC (2006) quanto por Sakomura & Rostagno (2007) se baseia no conceito de digestibilidade ileal aparente Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 8 para a obtenção da digestibilidade dos aminoácidos. Para obter a digestibilidade ileal aparente é feita a colheita do material através da colocação de cânula no íleo impedindo a ação da flora microbiana presente no cólon. Presumidamente, a bactéria degrada e utiliza proteína no cólon, com a liberação e absorção de amônia e outras moléculas de peso molecular contendo nitrogênio (Mühlum et al., 1989; Muir et al., 1996; Murray et al., 1997; Hendriks & Sritharan, 2002). Freqüentemente, os termos digestibilidade e disponibilidade são usados como sinônimos, mas não o são. Disponibilidade é definida como a quantidade de aminoácido absorvida e utilizada pelo animal. A disponibilidade do aminoácido é avaliada em ensaios de crescimento onde é medida a capacidade da proteína em substituir um aminoácido limitante ou deficiente. A dieta basal deficiente no aminoácido a ser estudado é suplementada com níveis crescentes dos aminoácidos cristalinos (considerando 100% disponível) e do alimento avaliado para se obter as curvas de respostas de crescimento (Sakomura & Rostagno, 2007), ou mesmo através de uma curva de regressão (slope ratio) obtidas através de equações de regressão simples ou múltiplas (Costa et al., 1977). Clapper et al. (2001) observaram maior digestibilidade ileal aparente dos aminoácidos essenciais (arginina, histidina, isoleucina, leucina, lisina, fenilalanina e valina) para proteína da soja (P<0,01) e para a proteína concentrada de soja (P<0,05) quando comparadas a farinha frango. Zuo et al. (1996) apresentaram resultados semelhantes, contudo, eles não encontraram diferenças entre as digestibilidades das proteínas vegetais e animais para lisina, fenilalanina, treonina. Para os aminoácidos aspartato, cistina, glutamato, prolina, serina e tirosina foram encontrados valores de digestibilidade superior (P <0,01) para a proteína da soja e concentrado de soja quando comparados a farinha de frango. A digestibilidade dos aminoácidos essenciais totais, aminoácidos não essencias totais e aminoácidos totais foram maior para a proteína da soja e dietas contendo concentrado de soja quando comparadas com a farinha de frango (Clapper et al., 2001). Com o objetivo de verificar efeitos dos alguns subprodutos da soja sobre a digestibilidade de aminoácidos, Yamka et al. (2005) testaram farelo de soja com baixo oligossacarídeo e baixo fitato, farelo de soja convencional, soja grão com baixo oligossacarídeo e baixo fitato e soja grão convencional. Os resultados não apresentaram diferença estatística. Murray et al. (1997) avaliaram a digestibilidade ileal dos aminoácidos de subprodutos protéicos processados e in natura da farinha de carne e osso, carne bovina fresca, farinha de subprodutos de aves, carne de frango fresca, farelo de soja e ovo inteiro e compararam os resultados da carne fresca bovina com a farinha de carne e ossos, não apresentando diferença Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 9 significativa. Em contrapartida, a farinha de subprodutos do frango apresentou resultado ligeiramente inferior ao da carne fresca de frango. De acordo com os autores, os resultados não são conclusivos devido à variação no processamento e produção dos subprodutos, independentemente de sua origem. Quanto aos aminoácidos totais, aminoácidos essenciais e não essenciais totais a digestibilidade ileal foi superior (P<0,07) para a carne de frango fresca quando comparada a farinha de subprodutos de aves. Em outro estudo, Johnson et al. (1998) avaliaram a digestibilidade ileal de algumas matérias-prima, neste estudo os fatores que poderiam influenciar diretamente na digestibilidade dos aminoácidos foram seu foco. Nele, foram avaliados: farinha de carne e ossos com alto (35,3%) e baixo teor de cinzas (24,1%), farinha de carne e osso a baixa temperatura, farinha de carne de cordeiro com baixo teor de cinzas (14,8%), farinha de subprodutos do frango com alto (16,3%) e baixo (7,2%) teor de cinzas. Os melhores coeficientes de digestibilidade ileal para aminoácidos totais, aminoácidos essenciais totais foram os da farinha de carne e ossos com alto teor de cinzas e farinha de carne e ossos a baixa temperatura. O mesmo ocorreu com os aminoácidos essenciais, com exceção da arginina. Com este aminoácido, o valor foi intermediário entre farinha de carne e osso com baixo teor de cinzas e farinha de carne e ossos a baixa temperatura. Tendo como referência a digestibilidade ileal dos aminoácidos totais os subprodutos que apresentaram menores coeficientes foram a farinha de farinha de subprodutos do frango com alto e baixo teor de cinzas e a farinha de carne de cordeiro. A tabela 3 apresenta a digestibilidade ileal dos aminoácidos limitante para cães em cada uma das fontes protéicas analisadas. Tabela 3. Comparação entre os aminoácidos limitantes (primeiro e segundo) para cães em cada alimento1 protéico analisado. Lisina Metionina a FCO alta cinza 84 93a FCO baixa cinza 70b 87b FCO baixa temperatura 83a 93a FC baixa cinza 62b 84b FSF com alta cinza 64b 85b FSF com baixa cinza 66b 83b 1 Farinha de carne e ossos com alta cinza (FCO alta cinza) e farinha de carne e ossos com baixa cinza (FCO baixa cinza) baixo teor de cinzas, farinha de carne e osso a baixa temperatura (FCO baixa temperatura), farinha de carne de cordeiro com baixa cinza (FC baixa cinza), farinha de subprodutos do frango com alta cinza (FSF com alta cinza) e farinha de subprodutos do frango com baixa cinza (FSF com baixa cinza). a,b Diferença mínima significativa calculada de acordo com Steel & Torrie (1980). Fonte: Johnson et al. (1998). Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 10 Para os autores (Johnson et al., 1998) a explicação dos resultado encontrase na relação entre os aminoácidos essenciais por unidade proteína bruta da dieta. Neste estudo, mesmo com o aumento das cinzas foi mantida uma satisfatória relação entre esses nutrientes analisados não causando o decréscimo da digestibilidade. Através da reunião dos estudos na área, o NRC (2006) mostra um resumo das digestibilidades ileais de alguns aminoácidos essenciais (tabela 4). Define ainda que os resultados encontrados indicam a importância do controle de qualidade no processamento dos ingredientes, tais como a necessidade de controle dos processos de clarificação e secagem a fim de preservar a digestibilidade dos aminoácidos, especialmente a cistina, treonina e lisina. Tabela 4. Média da digestibilidade ileal de alguns aminoácidos essenciais em diversos alimentos para cães. Aminoácidos Arginina Cistina Treonina Lisina Coeficiente de digistibilidade ileal aparente (%) 77-87 29-66 52-78 62-84 Fonte: NRC (2006) Já a inclusão de fibra teve pouco efeito na digestibilidade da proteína bruta e na dos aminoácidos, exceto para a pectina. No estudo de Muir et al. (1996) a adição de 50 g de pectina/kg ração causou diminuição de cerca de 7% digestibilidade ileal e de 2% na digestibilidade fecal. Na digestibilidade dos aminoácidos nenhuma diferença foi observada. 2.3.4. Impacto da fonte protéica na energia metabolizável Segundo NRC (2006) a energia metabolizável é defina como energia bruta do alimento menos as perdas calóricas das fezes e da urina. Pela composição do alimento, teor de proteína bruta, fibra bruta, extrato etéreo, estabelece-se através das equações de predição a energia metabolizável do alimento. No entanto, uma equação pode predizer a energia metabolizável com razoável precisão somente se a digestibilidade das dietas forem semelhantes à digestibilidade das dietas que foram usadas para predizer as equações. Para isso o NRC (2006) determinou o valor de 5,7 kcal/g para proteína e mais uma perda urinária de 1,25 de proteína digestível considerando um digestibilidade de 83,5% para proteína. Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 11 Os valores de energia metabolizável são influenciados pelo nível de inclusão do alimento protéico na dieta, pelo consumo e pela qualidade da proteína do alimento (May & Bell, 1971). Segundo esses autores, quando a proteína é fornecida em excesso ou quando é de baixa qualidade, as perdas energéticas urinárias aumentam devido à desaminação da proteína digestível absorvida, acarretando na redução da energia metabolizável. Yamka et al. (2007) avaliaram diferentes fontes protéicas e sua relação com a energia metabolizável. Ao escolher as matérias primas a serem analisadas, os autores fizeram uma seleção baseada nos possíveis fatores antinutricionais ou variáveis que prejudicassem o coeficiente de digestibilidade do ingrediente. A partir desses fatores equações de regressão foram descritas com o objetivo de estudar sua correlação com a energia metabolizável predita através dos coeficientes Modificados de Atwater e dos valores encontrados no experimento. Pode-se inferir que a proteína bruta é representada por numerosos compostos que podem ser resumidamente divididos em aminoácidos totais (AAT) e compostos nitrogenados não-aminoácidos (NAA). Como exemplos de NAA podemos citar ácidos nucléicos, aminas, amidas (Yamka et al., 2007). Fatores como a digestibilidade (Giesecke et al., 1982; Yamka et al., 2005) e a perda de energia pela eliminação do nitrogênio através da urina (Blaxter, 1989) são influenciados pelo AAT e NAA. A variação da relação entre AAT:NAA está relaciona com a origem do ingrediente, animal ou vegetal. Esta diferença pode gerar erros ao estimar-se a energia metabolizável pelas equações de predição. Ao diferenciar estas frações pode-se aumentar a precisão das equações de predição (Yamka et al., 2007). De acordo com os autores, a equação sugerida pela AAFCO (2004) e NRC (1985) para predição da energia metabolizável ((kcal/kg) = (3,5 · PB) + (8,5 · EE) + (3,5 · ENN)) deve ser analisada uma vez que apresentou valores subestimados (valor residual médio = 247 kcal/kg). Devido à necessidade de modificação dos coeficientes, cinco modelos de equações de predição foram desenvolvidos (tabela 5). As diferenças entre os valores de EM para predição e observado são explicados pelos autores pelas diferenças existentes entre os alimentos utilizados para determinação dos coeficientes e os utilizados nos alimentos testes. Os modelos que obtiveram o maiores coeficientes de regressão foram 2 e 5 sendo três variáveis em comuns (EE, AAT e NAA) e as diferentes fibra bruta e hemicelulose, respectivamente. O modelo 4 não apresentou correlação e por isso não foi incluído na tabela. Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 12 Tabela 5. Coeficiente de regressão através dos valores de predição da energia metabolizável (kcal/kg) para cães na mantença baseados nos constituintes químicos da dieta (% da matéria seca total)1. Constituintes da dieta2 Modelos EE PB AAT NAA FB FDN HEM Intercepto r2 1 45,4+12,2 31,2 + 24,1 -132,3+ 9,2 4,4992 0,46 2 62,4 + 7,9 35,5 + 17 -100,7+ 17,1 -146,2+ 4,5 3,507 0,79 -18,8+ 19,5 -146,4 + 19,8 206,9 + 58,5 2,842 0,72 3 82,1 + 8,6 54,9 + 17,0 -107,0 + 15,8 188,8 + 28,1 2,206 0,81 5 68,8 + 7,1 1 2 r para todos os modelos Predição da EM por Atwater Modificado (kcal/kg) 2 EE = extrato etéreo, PB = proteína bruta, AAT = aminoácidos totais, NAA = nitrogenados não-aminoácidos, FB = fibra bruta, FDN = fibra detergente neutro, FDA = fibra detergente ácido, HEM = hemicelulose. Fonte: Yamka et al. (2007) Avaliação de alimentos protéicos utilizados na alimentação dos cães http://www.veterinaria.org/revistas/redvet/n010111/011107.pdf 13 REDVET. Revista electrónica de Veterinaria 1695-7504 2011 Volumen 12 Número 1 3. Considerações finais Os estudos demonstram a possibilidade do uso de diversos subprodutos de origem animal e vegetal nas rações para cães. A fixação de padrões de qualidade é uma maneira de diminuir a variação desses subprodutos oferecendo aos animais rações balanceadas, suprindo as necessidades nutricionais dos animais. A variação na qualidade dos subprodutos pode influenciar diretamente na energia metabolizável da ração. Quando o alimento é ofertado em excesso ao animal pode causar dificuldade na modulação de consumo principalmente em dietas de alta palatabilidade, co-relacionando-se à obesidade ou mesmo sobre carga do sistema digestório. Poucos e incompletos são os trabalhos nacionais desenvolvidos com nossos subprodutos. Não foi encontrado nenhum trabalho que avaliasse aminoácidos digestíveis para cães, indispensável à formulação moderna, que visa diminuir o excesso de aminoácidos na dieta e o custo. Mesmo diante do acervo de trabalhos internacionais e dos raros nacionais, os nutricionistas por meio desses podem desenhar parâmetros comparativos e qualitativos dos alimentos com o objetivo de formular uma ração completa e balanceada. 4. • • • • • • • Referencias Bibliográficas AAFCO – ASSOCIATION OF AMERICAN FEED CONTROL OFFICIALS. Official Publications 2005. Association of American Feed Control Officials, 2005. AAFCO – ASSOCIATION OF AMERICAN FEED CONTROL OFFICIALS. Official Publications 2004. Association of American Feed Control Officials, 2004. BELLAVER, C. Ingredientes de origem animal destinados à fabricação de rações. In: Simpósio sobre Ingredientes na Alimentação Animal. Campinas-SP 18 a 20 de Abril de 2001, p.167- 190. BLAXTER, K. Energy metabolism in animals and man. 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