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O CATÁLOGO RAZONADO DE GARCIA PERES NA COMPANHIA DO IMPÉRIO Pedro Serra Universidade de Salamanca bem conhecida a importância do Catálogo razonado biográfico y bibliográfico de los autores portugueses que escribieron en castellano de Domingo Garcia 1 Peres para o âmbito de estudos das relações literárias entre Portugal e a Espanha nos chamados séculos áureos. Sirvam de exemplo as recentes palavras de Francisco Bethencourt: “Le catalogue de Domingo Garcia Peres, publié en 1890, comprend environ 600 auteurs portugais qui ont écrit en castillan. Bien que ce très précieux outil de travail n’ait pas encore été corrigé et complété après plus de cent ans, l’importance d’auteurs et de traducteurs qui ont vécu en Castille – dont plusieurs n’ont pas fait l’objet d’étude – est évidente.”2 Entretanto, têm vindo a ser activados grupos de investigação vinculados a este acervo bibliográfico, como é o caso do projecto “El castellano como lengua literaria en Portugal”, dirigido pelo Prof. Ángel Marcos de Dios (Salamanca), e cuja equipa integra os Profs. Dieter Messner (Salzburgo), Carlos Reis (Coimbra), Ana María García Martín (Salamanca), Eduardo Javier Alonso Romo (Salamanca), Pedro É 1 Domingo Garcia Peres, Catálogo razonado biográfico e bibliográfico de los autores portugueses que escribieron en castellano, Madrid, Imprenta del Colegio Nacional de Sordo-Mudos y de Ciegos, 1890. As referências ao volume de Garcia Peres, neste texto, são abreviadas por Catálogo razonado, seguido da indicação da página. Ana Isabel Buescu esclareceu alguns dados biográficos do autor: “Nascido em Portugal de pais espanhóis em 1812, Garcia Peres doutorou-se em medicina em Cádiz, estabelecendo-se em Setúbal, por cujo círculo eleitoral chegou a ser deputado em 1852. Faleceu em 1902.” (“Aspectos do bilinguismo portuguéscastelhano na época moderna”, Hispania, LXIV/1, núm. 216, 2004, p. 14, n. 3). 2 In AA.VV., La littérature d’auteurs portugais en langue castillane, Lisboa/Paris, Centro Cultural Calouste Gulbenkian, 2002, p. IX. Serra (Salamanca) e Jacobo Sanz Hermida (Salamanca)3; ou, ainda, do projecto “O Teatro Escrito em Espanhol em Portugal durante os Siglos de oro”, levado a cabo por um grupo de investigadores da Universidade Nova de Lisboa (Lisboa) e da Universidade Carlos III (Madrid).4 Analiso neste texto alguns dos fundamentos “teóricos” que sustentam este acervo bibliográfico finissecular, mostrando como se trata de um projecto bibliográfico dentro de um paradigma iberista,5 inserindo-se assim num programa de reintegração dos textos em língua castelhana escritos por autores portugueses ao Império da língua e cultura espanholas. Efectivamente, e em palavras do próprio Garcia Peres, o universalismo da língua castelhana é um facto do imperium de “exércitos e armadas”. O caso de Portugal, “país contíguo”, fora beneficiado pela proximidade da língua, religião e origem: Cuando en los dominios españoles no se ponía el sol, aun eran más extensos los horizontes por donde se dilataba la lengua castellana, crecida y robustecida por la savia con que la italiana, después del Renacimiento, se había desarrollado vigorosa. Una y otra lengua habían llegado a la perfección de poder hacer propios, sin pérdida de su galana concisión y nerviosa energía, los clásicos griegos y latinos; más ninguna como la castellana dispuso del medio poderoso de sus ejércitos y armadas, que la hicieron universal, oficial y de moda en las naciones que sometía, en los países que conquistaba y mundos que descubría. Su propagación e influjo fueron (a pesar de distancias y de diversidad de lenguas, religión, climas y aun de razas) tan grandes, como su imperio. Cual fuese el influjo que ejerció en un país contiguo, de casi la misma lengua, de una misma religión e igual origen, es lo que nos propusimos é intentamos averiguar en este modesto trabajo, que ofrecemos a la Nación española, ganosos de aliviar nuestro pecho del peso de la gratitud, pagándole el tributo que le debemos por toda nuestra educación literaria, que como a propio hijo nos dio generosa en su regazo. 3 Projecto de investigação HUM2005-01998 (MEC, Espanha). Solicitado e concedido em 2005, vigente de 2006 a 2008. 4 Cf. Teresa Araújo, “A dramaturgia de autores portugueses em língua espanhola (séculos XVI-XVIII): notas de uma investigação em curso”, Revista … à Beira, nº6, UBI, 2007, pp. 157-176. 5 Ana Isabel Buescu chamou a atenção para a polémica gerada pelo Catálogo razonado, uma polémica associada precisamente à voga da “questão ibérica”, como é sabido detonada a partir de meados do século XIX. Cf. op. cit., p. 16, n. 13. Movidos de este sentimiento, no tememos que pueda, ni aun presumirse, que nuestro fin sea defraudar el rico tesoro de la literatura castellana de algunas flores y perlas, que no porque fuesen mandadas de las tierras y playas lusitanas, dejan de pertenecerle.6 A peça de Garcia Peres é notável a vários títulos. Resultado de uma investigação ingente que, todavia, é necessário manifestar ser “modesto trabalho”. O livro desmente a modéstia mas, sendo da ordem da “gratidão”, é da ordem de uma dívida que nunca se chegará a poder pagar, pois o pagamento aumenta a dívida. A obra pretende legitimar – auto-legitimando-se no mesmo lance –, a incorporação ao “tesouro da literatura castelhana” de “flores e pérolas” de uma massa textual marcada pela distância, se bem que pequena: uma massa textual que provém de um espaço – as “terras e praias lusitanas” – que é quase como o espaço a que pretende advir. Massa textual de um “país contíguo” e de “quase a mesma língua”, pode todavia perfazer a passagem porque, fazendo esse quase toda a diferença, não faz diferença nenhuma pois provém de uma “mesma religião” e uma “igual origem”. O que facilita as coisas, se as coisas forem comparadas com espacialidades mais marcadas ainda, onde a contiguidade com o espaço que estabelece todo o valor, o centro que é todo ele “tesouro”, é mais problemática: noutros lugares, a “diversidade de línguas, religão, climas e, ainda, de raças” obriga a levar a vanguarda de “exércitos e armadas”. Garcia Peres diz-nos desde logo que esses horizontes perderam “extensão”. Digamos que o mundo encolheu, isto é, perdeu espaço. Mas dessa geografia física e espiritual originária perdida, desse Planeta Católico – título de um livro de Campuzano y Sotomayor (1646) –, ficou precisamente uma espécie de mapa que é precisamente o “tesouro da literatura castelhana”. Mapa sem terra, ou com pouca terra, tem a vantagem de ser feito de fronteiras moventes, ou até nenhumas. As linhas divisórias podem ser cruzadas, mediante cortesias. Como a “modéstia” do Catálogo razonado, precisamente. Mas será assim? É que tanto o doador grato como a prenda dada em gratidão se situam num lugar instável, o de ser como. Vimos já que o espaço 6 Catálogo razonado, p. XI. linguístico de onde provêm as “flores e as pérolas” é quase como aquele a cujo bojo pretendem regressar (ou que regressem). Também Garcia Peres, por seu turno, se representa na peça, textualmente, “como filho próprio”. Não exactamente ‘filho’, mas ‘como filho’. Como filho de um “regaço” que é a “Nação espanhola”. Em resumo, três variações desse “quase” que faz diferença: a língua portuguesa, a massa textual, o autor do livro. O “regaço”, é bom de ver, terá de reconhecer serem todos eles – língua, textos, autor – filhos legítimos. A função desse reconhecimento é da responsabilidade da matriz que estabelece todo o valor: a Real Academia Espanhola. E é neste sentido que vamos agora interpretar o parecer do secretário da academia, Manuel Tamayo y Baus, que a 5 de Novembro de 1887 despacha favoravelmente a publicação da obra, a expensas do “Governo de S. M. com toda a bizarria que permitam as leis”. Efectivamente, para além do documento de Garcia Peres transcrito, o volume é ainda antecedido por paratextos que vale a pena analizar. Em primeiro lugar, temos um despacho do Director Geral da Instrução Pública, datado de 25 de Janeiro de 1888. Navarro y Rodrigo, em nome da lei régia (artigo 5.º e outras determinações do Real Decreto de 12 de Março de 1875) e da Rainha Regente, determina a publicação do volume com apoio do Estado Espanhol, ao abrigo da lei mencionada e do orçamento vigente para o Fomento das Letras e das Ciências. A ordem é tomada depois de Manuel Tamayo y Baus, já mencionado, ter emitido parecer positivo em nome da Real Academia Espanhola. Trata-se, este, de um documento relativamente extenso, oscilando entre o elogio do trabalho de compilação levado a cabo por Garcia Peres e a exposição da importância do volume. O argumento central do texto de Tamayo y Baus reside na ideia de que o Catálogo razonado acrescenta um conhecimento que corrobora a unidade da Península Ibérica. No mesmo lance, Península Ibérica equivale a Espanha. Para tanto, o académico espanhol desvincula a fenomenologia cultural dos avatares históricos. Se os primeiros manifestam uma “pureza” intelectual e moral que transcende a dissensão territorial – isto é, a separação política e jurídica das nações portuguesa e espanhola –, “pureza” na medida em que os objectos morais e intelectuais são essências; os segundos decorrem de acidentes e circunstâncias. Eis o lugar do parecer em que se consignam estas noções: de suyo y desde luego autoriza este libro a elevar la importancia de esta obra a la categoría de nacional, puesto caso que en ella se entrañan y sintetizan cuestiones de primera importancia para nuestro país, relacionadas con la unidad de raza, de pensamiento y de lenguaje de la península ibérica; unidad que si en el campo de los hechos históricos tiene contradictores, en este esfera purísima intelectual y moral se impone irresistiblemente como obra de la misma naturaleza que en un molde único y solo ha formado la región donde españoles y portugueses habitamos.7 Como podemos constatar, a “pureza” intelectual e moral é assistida por outras duas essências: a nação (com extensões na “raça”, no “pensamento” e na “linguagem”) e o território, que coalescem numa mesma unidade. Só assim se compreende que conceda ao Catálogo razonado ser elevado à “categoria de nacional” e seja de “primeira importância para o nosso país”. Ao dizer “nosso país”, claro está, refere-se exclusivamente a Espanha. Mais adiante, reconduz a unidade a uma categoria espacial: a geografia peninsular – a Península como território uno – é um a priori territorial que determina a “pureza” dos objectos intelectuais e morais nela produzidos. Estaba reclamando el progreso bibliográfico un libro semejante al que hoy se nos ofrece, donde se deslindan los elementos que cada idioma ha llevado a la cultura peninsular, y se pusiera como quien dice de bulto el curioso fenómeno que presenta la literatura portuguesa expresándose en castellano en aquellos períodos en que, al parecer, han sido los odios políticos más vehementes; señal indudable que fueron postizos y como impuestos por intereses bastardos y transitorios. La naturaleza prestaba contra lo artificial que se le imponía.8 O modelo dos processos históricos, da história literária e das línguas que subjaz ao parecer de Tamayo y Baus é um modelo histórico-linguístico-literário nacional, por um lado teleológico e fazendo conter na Origem, isto é, no cronótopo do Planeta Católico, toda a história. Ainda, articula o nacional em função tanto 7 8 Catálogo razonado, p. V. Catálogo razonado, p. VI. de uma determinação geográfica – sempre regionalizante – como de um cosmopolitismo radical – universalizante na medida em que subsume regiões. John E. Joseph recordou recentemente que os sentidos etimológico e expandido de “nação” – comunidade unida pelos laços de nascimento, por um lado, e território habitado e governado por um centro de poder unificado, por outro – aparentemente coalescem na noção de Estado-Nação. Este seria, diz-nos, ainda, um mapa utópico para o purismo nacionalista.9 E, todavia, atravessa o parecer de Tamayo y Baus uma tensão irresolúvel que radica, por um lado, na determinação geográfica dos autores reunidos no catálogo (“não somos nós”) e, por outro, no uso de uma língua literária – a castelhana – que, enquanto precisamente corpo literário, extravaza o vínculo geográfico. Os portugueses que escrevem em castelhano são universais na medida em que fazem uso de um valor universal dado que é a língua castelhana. Contudo, o castelhano dos portugueses é contraditório, pois têm de continuar a ser subsumidos pela determinação geográfica ou deixariam de “ser portugueses”: o que, de resto, não podem deixar de ser, pois a língua castelhana, neles, é contaminada (isto é, é marcada pela marca da situação excêntrica dos que a escrevem). Nem o próprio Catálogo razonado escapa a esta lógica: efectivamente, o secretario da Academia não deixa de corrigir o castelhano de Garcia Peres, falante da língua nascido em Portugal e de pais espanhóis; demasiado exposto a um espaço outro que lhe hibridiza a língua – uma geografia que a lusitaniza –, votando-a assim a uma necessária expurgação: “Finalmente ciertos portuguesismos de que el estilo puede adolecer, también serán fácilmente corregidos”.10 Corrige a língua castelhana de Garcia Peres, como de resto corrige uma falta certamente maior: do corpus do manuscrito do catálogo apresentado não fazem parte obras escritas por missioneiros portugueses que escreveram em castelhano. Uma ausência que fere directamente a unidade do castelhano como língua universal, isto é, língua evangelizadora: 9 Cf. John E. Joseph, Language and Identity. National, Ethnic, Religious, Palgrave Mcmillan, 2004, p. 92. 10 Catálogo razonado, p. IX. Corrección no menos fácil ofrecerá a los numerosos amigos que el autor se ha granjeado entre los literarios españoles y en esta misma Academia, que se honra contándole ha muchos años entre sus correspondientes, la falta de algunos datos encerrados en nuestras crónicas religiosas, principalmente de Indias y Filipinas, donde relativamente abundan frailes portugueses que en el idioma común a sus hermanos de hábito han expuesto de mil modos los servicios que a la religión y a la patria común los misioneros hacían, recordando a la Academia al P. Lisboa, muy versado en los dialectos filipinos, de que escribió Gramáticas y Diccionarios, a Fr. Manuel de Olivenza, apóstol de los montes de Baler en el siglo pasado, con cuyos trabajos tejió curiosas Relaciones impresas y manuscritas, y algunos otros.11 O corpus textual em castelhano dos ‘autores portugueses que escreveram em castelhano’ tem, assim, uma acomodação difícil no corpo transcendental dos “tesouros da língua espanhola universal”. Não é exactamente literatura espanhola, é antes um epifenómeno dela. Assim, re-incorpora-se ao todo, mas funciona nele como um limite interno que, na sua degradação/corrupção, hipostasia a Origem, uma Origem que fosse unidade de “raça”, “pensamento” e “linguagem”. Origem que é um mundo sempre diurno, mapa utópico. Aliás, a metáfora do mapa está também no texto do secretário da academia. Garcia Peres pertenceria a uma estirpe de geógrafos das línguas e das literaturas peninsulares: “D. Nicolás Antonio y Barbosa, y en lo moderno Inocencio da Silva y Gallardo, mostraron siempre a las dos literaturas tan estrechamente unidas que en ellas es más difícil que en los mapas geográficos señalar con exactitud la alinea divisoria de cada pueblo.”12 Ainda assim, o double bind no cerne da reflexão autorizada de Tamayo y Baus reside no facto de a hipóstase de uma Península Una – unidade moral, intelectual, etc. – não rasurar por completo uma cisão topológica no seio da Península: a história que se conta dos ‘autores portugueses que escreveram em castelhano’ não se conta da mesma forma se for contada a partir de território espanhol ou se for contada a partir de solo português. Por outras palavras, não é a mesma história se contada por uma 11 12 Catálogo razonado, p. IX. Catálogo razonado, p. V. Real Academia Espanhola ou se contada por uma congénere situada nas “terras e praias lusitanas”. O mundo encolheu, mas há um pouco de terra a fazer toda a diferença sem deixar de fazer, ainda, diferença nenhuma. É esse pouco de terra que determina, enfim, a eleição do título. Pelo texto de Manuel Tamayo y Baus sabemos que Garcia Peres propõe dois possíveis: ou Ensayo de una biblioteca de libros castellanos de autores portugueses; ou Catálogo de los autores portugueses que escribieron en castellano. Tamayo y Baus recomenda a segunda hipótese, aduzindo as seguintes razões: Por lo pronto, la publicidad de títulos con que se espera, es tanto menos admisible, cuanto que el primero carece de prioridad, toda vez que no se trata siempre de libros escritos en castellano, ni aun de obras enteras en nuestro idioma, y el segundo titulo Catálogo de los autores portugueses que han escrito en castellano, sin más alteración que la que en el verbo hemos hecho expresa perfecta y propiamente el objeto de la otra, y debe ser el único que campée en su portada.13 Quando Tamayo y Baus opta por um dos títulos propostos por Garcia Peres, escolhe precisamente aquele que vincula a língua castelhana consignada no corpus textual do catálogo a autores cuja “nação” – isto é, cujo lugar de nascimento e este nascimento como nexo metafísico a uma comunidade imaginada com geografia discreta – é determinável. Garante do valor, isto é de correcções, escolhas e determinações, a peça do secretário da academia é percorrida por binómios que vão estabelecendo uma moral da história: há coisas “postiças”, “transitórias”, “artificiais”, por um lado; “verdades” e “natureza”, por outro. Dizer as verdades é pôr as coisas no sítio que devem ter. Neste sentido, Tamayo y Baus põe no lugar tanto o corpus dos autores portugueses como o autor do livro. Se diz que “puede asegurarse que los principales escritores de aquel reino prefirieron de un modo ostensible nuestro idioma al suyo”,14 também assevera que Garcia Peres é “un escritor portugués, que si no desciende de aquellos en línea recta como hablista, los aventaja quizá en amor verdadero a España y 13 14 Catálogo razonado, p. VIII. Catálogo razonado, p. VII. en conocimiento de nuestra literatura”.15 Em suma, estamos perante um “catálogo companheiro do império”. O imprimatur significa que os filhos reconhecidos são, afinal, legítimos como filhos. 15 Catálogo razonado, p. VIII. Apêndice Documental [Parecer de Manuel Tamayo y Baus, secretario da Real Academia da Língua Espanhola sobre o Catálogo razonado de Domingo García Peres] V | EXCMO. SEÑOR: El manuscrito de D. Domingo García Pérez, literato portugués, que V. E. se ha servido remitir á a informe de esa Academia es de aquellos trabajos que muy de tarde en tarde aparecen en la república literaria para llenar, como suele decirse, vacíos y lagunas, que todos conocemos y lamentamos. Cuando la ejecución responde en trabajos semejantes á la oportunidad y alteza del pensamiento no debe regatearse a un autor estímulo ni recompensa, máxime en tiempos en que anda tan mal parada entre nosotros la literatura grave y trascendental. El Sr. García Pérez se encuentra en este caso. Titulase el manuscrito Ensayo de una biblioteca de libros castellanos de autores portugueses ó Catálogo de los autores portugueses que escribieron en castellano, y de suyo y desde luego autoriza este libro á elevar la importancia de esta obra á la categoría de nacional, puesto caso que en ella se entrañan y sintetizan cuestiones de primera importancia para nuestro país, relacionadas con la unidad de raza, de pensamiento y de lenguaje de la península ibérica; unidad que si en el campo de los hechos históricos tiene contradictores, en este esfera purísima intelectual y moral se impone irresistiblemente como obra de la misma naturaleza que en un molde único y solo ha formado la región donde españoles y portugueses habitamos. Así nuestras bibliografías, como las suyas, que en lo antiguo personifican D. Nicolás Antonio y Barbosa, y en lo moderno Inocencio da Silva y Gallardo, mostraron siempre á las dos literaturas tan estrechamente unidas que en ellas es más difícil que en los mapas geográficos señalar con exactitud la alinea divisoria de cada pueblo. Con harta razón recuerda á este pueblo propósito el Sr. García Pérez en su patriótica dedicatoria aquel hermoso tiempo en que la lengua de Castilla era universal y de moda en los mundos que descubrimos y conquistábamos, porque entonces este maravilloso instrumento dado por Dios al hombre para hacerlo apóstol de la civilización, ostento en portugueses y castellanos unidad tan admirable, que no la han soñado más perfecta los buenos patricios que por otras | VI | vías la buscan y la buscaran siempre en el orden político y en la vida nacional. Estaba reclamando el progreso bibliográfico un libro semejante al que hoy se nos ofrece, donde se deslindan los elementos que cada idioma ha llevado á la cultura peninsular, y se pusiera como quien dice de bulto el curioso fenómeno que presenta la literatura portuguesa expresándose en castellano en aquellos períodos en que, al parecer, han sido los odios políticos más vehementes; señal indudable que fueron postizos y como impuestos por intereses bastardos y transitorios. La naturaleza prestaba contra lo artificial que se le imponía. Corrompido el latín en los tiempos siguientes á Alfonso Enríquez, elementos no menos corruptos del gallego y del lenguaje del los trovadores fueron el vehículo de la escasa cultura portuguesa que, siguiendo lenta y trabajosamente los pasos de la castellana para formarse un idioma propio, con los ejemplos y caudal que esta aportaba al acervo común pudo elevarse un poco sobre la categoría de dialecto neo-latino, en que dejó á su hermano el gallego relegado, según prueba doctamente el Sr. D, José Amador de los Ríos, al impugnar á Duarte Núñez de León, que en sus Origines da lingoa portuguesa le atribuye los mismo que da el castellano el canónigo de Córdoba Alderete, si bien padeció la injusticia el Sr. Ríos de acusar á Núñez virtualmente de plagiario siendo así que el Origen y principio de la lengua castellana o romance que hoy se usa en España, hasta los últimos días de 1606 no pudo circular en Roma, por ser de Octubre el privilegio, y con algunos meses de antelación había impreso en Lisboa el conocido tipógrafo Craesbeck el libro del erudito lusitano. El mismo Camoens, el texto de mayor autoridad para nuestros convecinos, declara terminantemente que su lengua «Com pouca corrupçao cre qu’e latina»: La perdida, pues, de Portugal en el siglo XII apenas tuvo consecuencias para nuestra literatura, no digamos influyendo, sino siendo la misma de aquel país, hasta que los escritores llamados quinhentistas, hijos algunos de ellos de nuestras escuelas, hermanos nuestros en saber y por ende conocedores de los progresos de nuestro idioma, se aplicaron á pulir y perfeccionar el suyo, antes como gala y ostentación de virilidad naciente, que como instrumento propio y popular, pues siguieron usando el nuestro aquellos mismos hombre hasta el punto que revelan los Romanceros y Cancioneros peninsulares, donde muchas veces ni aún los apellidos ayudan á distinguir nacionalidad de los autores. ¿Quién duda que en la casa Real portuguesa debía de existir más vivo aún que en el pueblo el espíritu de independencia? Y sin embargo, el castellano rimaba todavía en el siglo XV el Infante D. Pedro, y en resumen hasta muy mediado el XVII la separación fue tan artificial entre los literarios que exceptuado algún padre de la prosa portugueses, como el autor de las Dé - |VII| cadas de Asia, puede asegurarse que los principales escritores de aquel reino prefirieron de un modo ostensible nuestro idioma al suyo, principalmente para expresar en la poesía los tiernos afectos del alma, como Sea de Miranda en sus Eglogas, Gil Vicente en sus Autos, Jorge de Montemayor en su Diana, Camoens en su comedia y muchas de sus rimas, Corte Real en su Batalla de Lepanto, el insigne Melo en casi todas sus obras y muy en particular en el Movimiento, separación y guerra de Cataluña, y otros infinitos autores de menor cuenta; casi la totalidad de los portugueses dignos de fama, si damos crédito á uno de sus mejores críticos contemporáneos, que hace el doctor Antonio Ferreira el elogio siguiente, harto doloroso para su patriotismo: « é ó unico dos nossos poetas antigos que nunca escreveo señao en portuguez ». Por cierto que el Sr. D. Antonio Romero Ortiz, en su excelente libro La literatura portuguesa en el siglo XX, advierte por vía de consolación al crítico trastagano que ese caso no es el único excepcional que presenta su historia literaria, porque fueron dos los escritores portugueses rebeldes al castellano, el Ferreira ya citado y Fr. Agustín de la Cruz. ¡Dos autores solos! ¿Qué más? La misma bibliografía de la guerra de separación, que alcanza el último tercio del siglo XVII, es no poco abundante de obras escritas por los vencedores en la lengua de los vencidos, y solamente cuando los odios se extinguen, cuando la filosofía y la política empiezan de consumo el trabajo de restauración unitaria que tan torcidos caminos ha tomado en algunos momentos, pese al comercio, la navegación, á la facilidad de comunicaciones y á todos los recursos que la nueva ciencia sociológica cree infalibles para reconciliar ó identificar á los pueblos, el portugués se muestra como nunca aferrado al elemento más eficaz é indestructible de su independencia, y hace alarde de olvidarnos aunque no sin quejarse de que le olvidamos. El Sr. Romero Ortiz, que se lamenta como nosotros de ver la literatura portuguesa tan desconocida aquí como la China, exajeración cada día más infundada por fortuna, sólo recuerda una publicación moderna La Revista Peninsular, y esa bilingüe y costeada por un compatriota nuestro el inolvidable D. Sinibaldo de Mas, error semejante al que el cronista español de la literatura portuguesa contemporánea corrigió á Costa é Silva, pues nosotros conocemos un buen libro, impreso en castellano en Lisboa, en 1863, aunque aportuguesado y lleno de protextas de extranjerismo. Titúlase Memoria sobre la vida política y literatura de Don Francisco Martínez de la Rosa, y es su autor Luis Augusto Rebello de Silva. Pero aun así no pasan de dos las publicaciones que en los últimos tiempos se han hecho por los descendientes de Camoens en la lengua de Cervantes: con que podemos exclamar, como al fin del párrafo anterior. ¡Dos solamente! Pues bien, en el crítico momento |VIII| en que las pasiones políticas y las propagandas insanas extinguen por completo en Portugal aquella hermosa raza de escritores, que con tanta maestría manejaban una lengua con otra, que no parece sino que vivieron á la boca del Tajo de las saudades del Ebro y el Guadalquivir, se nos ofrece por un escritor portugués, que si no desciende de aquellos en línea recta como hablista, los aventaja quizá en amor verdadero á España y en conocimiento de nuestra literatura, el inventario de la riqueza casi desconocida que los quinhentistas y sus sucesores amontonaron, en la más útil forma para el estudio, que es la de Diccionario bibliográfico, pues los hombres del siglo XIX, como el Judío Errante, estamos sentenciados á pasar por todos los campos sin coger más flores que las que no detienen nuestro azaroso camino. Plácemes, pues, entusiastas se den al Sr. García Pérez por haber dedicado sus grandes conocimientos hispano-portugueses á una empresa que tanto nos honra y cuya publicación debe proteger y protegerá sin duda el Gobierno de S. M. con toda la bizarría que permitan las leyes. Si hubiéramos de apuntar en conclusión los descubrimientos peregrinos que ese manuscrito encierra, las joyas literarias que saca á luz, ya como prueba de bien decir castellano, ya de costumbres ó hechos históricos, ya de gallarda y bella poesía, haríamos un volumen tan crecido como él. Aunque no tuviera otro merito el del Sr. García Pérez que la reivindicación de manuscritos numerosos hoy segregados del caudal literario de España en las bibliotecas portuguesas, lo haría acreedor a nuestros plácemes y gratitud. Más no será tan breve esta síntesis que no llamemos la atención por modo expreso hacia otro de los quilates más subidos que la avaloran, que es el registro y examen bibliográfico de la literatura hispano-rabínica, cuyos elementos facilita este Diccionario como ninguna otra producción propia o extraña. Nadie con efecto ignora que la generalidad de los escritores judíos y judaizantes nació en el reino formado por Alfonso Enríquez, habiendo preferido el castellano para sus publicaciones por conveniencia de propaganda, visto que el conocimiento del portugués ha siempre en Europa rara, rarísima de avis. Ligeras enmiendas y variaciones, que el autor hará certísimamente de buen grado, serán complemento del alto valor de este libro. Por lo pronto, la publicidad de títulos con que se espera, es tanto menos admisible, cuanto que el primero carece de prioridad, toda vez que no se trata siempre de libros escritos en castellano, ni aun de obras enteras en nuestro idioma, y el segundo titulo Catálogo de los autores portugueses que han escrito en castellano, sin más alteración que la que en el verbo hemos hecho expresa perfecta y propiamente el objeto de la otra, y debe ser el único que campée en su portada. Corrección no menos fácil ofrecerá á los numerosos amigos que el autor se ha gran- |IX| jeado entre los literarios españoles y en esta misma Academia, que se honra contándole ha muchos años entre sus correspondientes, la falta de algunos datos encerrados en nuestras crónicas religiosas, principalmente de Indias y Filipinas, donde relativamente abundan frailes portugueses que en el idioma común á sus hermanos de habito han expuesto de mil modos los servicios que á la religión y á la patria común los misioneros hacían, recordando á la Academia al P. Lisboa, muy versado en los dialectos filipinos, de que escribió Gramáticas y Diccionarios, á Fr. Manuel de Olivenza, apóstol de los montes de Baler en el siglo pasado, con cuyos trabajos tegió curiosas Relaciones impresas y manuscritas, y algunos otros. Finalmente ciertos portuguesismos de que el estilo puede adolecer, también serán fácilmente corregidos. La Academia, pues, opina, que el Gobierno debe que procurar por todos los medios posibles la pronta publicación del Catálogo de los autores portugueses que han escrito en castellano, por D. Domingo García Pérez, la cual será un verdadero servicio á la literatura y á la patria española. Lo que por acuerdo por esta Corporación tengo la honra de comunicar á V. E. cuya vida guarde Dios muchos años. Madrid 5 de Noviembre de 1887. —El secretario, Manuel Tamayo y Baus. —Hay una rúbrica. —Excelentísimo Sr. Director general de Instrucción pública.